O terceiro setor tem se tornado, ao redor do mundo, uma verdadeira força maior. Quanto maior o desenvolvimento econômico, político e social de um país, maior o reconhecimento e relevância de suas organizações da sociedade civil sem fins lucrativos. Elas auxiliam, complementam ou mesmo substituem o estado na execução de objetivos de interesse público. A origem e evolução dessas entidades são produto do constante e crescente descrédito da população em geral sobre a capacidade ou responsabilidade do Estado de solucionar sozinho questões de interesse difuso tão importantes e variadas como sociais, sanitárias, relativas à organização política e ambientais. No enfrentamento desses desafios, o terceiro setor se destaca cada vez mais como mediador estratégico no diálogo entre a iniciativa privada e a administração pública. Arrecada recursos, fiscaliza o uso da coisa pública e implementa diretamente projetos de interesse social. Trata-se de fenômeno mundial, pois as necessidades humanas não conhecem fronteiras políticas. Essa constatação nunca foi tão evidente quanto na atual crise da pandemia do covid-19, sanitária, econômica e social, que não precisou de mais que seis meses para varrer o planeta. Ainda assim, por mais que o desenvolvimento das entidades do terceiro setor seja um fenômeno natural e até previsível, o próprio Estado pode e deve auxiliá-lo de forma importante: removendo barreiras legais e burocráticas ou adotando medidas de fomento. Não surpreende que, ao redor do mundo, os países se utilizem de políticas públicas específicas para viabilizar e incentivar o trabalho dessas organizações sem fins lucrativos, inclusive pela via tributária. Como essas entidades não distribuem lucros, qualquer tributação que lhes seja imposta recai necessariamente sobre seu patrimônio. Portanto, desonerá-las de tributos é fundamental. Países como Inglaterra, França e Argentina não tributam a renda ou superávit dessas entidades e não submetem suas atividades a impostos sobre o consumo. Com o mesmo intuito, Chile e Estados Unidos permitiram ampla dedutibilidade das doações voltadas para seu financiamento, em especial no ano de 2020. E como estamos no Brasil, país que nunca dependeu tanto da sociedade civil para enfrentar seu histórico atraso econômico e, sobretudo, social? O constituinte de 1988 andou bem ao desonerar os impostos sobre patrimônio, renda e serviços que recaem sobre instituições de educação e assistência social não lucrativas, mas isso ainda não é suficiente. Muitas leis federais, estaduais e municipais foram além. Concederam isenções tributárias adicionais para entidades filantrópicas e operações não alcançadas pelas regras da Constituição. Ainda assim, a complexidade de nosso sistema tributário e a ânsia arrecadatória do Fisco impõem ônus e burocracias que, na contramão dos melhores exemplos internacionais, dificultam o desenvolvimento do terceiro setor. Na maioria dos Estados, as hipóteses de isenção de imposto de doação no financiamento de entidades do terceiro setor ainda são insuficientes. As regras específicas da legislação do imposto de renda sobre dedutibilidade de despesas com doações a organizações da sociedade civil sem fins lucrativos são tímidas e limitadas. Como regra geral, e não como exceção, os Estados cobram ICMS nas doações em bens realizadas por industriais e comerciantes. Como exemplo triste dessa realidade, foi necessária a criação de uma regra específica e excepcional, o Convênio Confaz 81, no último 2 de setembro, para assegurar a não incidência de ICMS nas doações de equipamento de produtos e materiais de combate e prevenção a Covid-19 ao próprio Tribunal Superior Eleitoral e órgãos da Justiça Eleitoral para uso nas próximas eleições municipais. Mesmo assim, ao regulamentarem esta regra, alguns estados, como a Bahia, já limitaram sua aplicação, exigindo estorno de créditos de imposto que encarecem as doações. Se esses entraves se verificam nas doações à própria administração pública, o que não esperar quando o beneficiário é uma organização da sociedade civil. O ano de 2020 chegou com a promessa da tão esperada reforma tributária. Seus pilares incluiriam a simplificação de regras e redução dos litígios. Porém, para o terceiro setor, não foi o que se viu. Principais projetos em discussão, as propostas de emenda constitucional nº 45 e 110 do IBS e o projeto do governo para criação da contribuição sobre bens e serviços (CBS) focam na eliminação de “benefícios fiscais”, que incluiriam a desoneração das entidades do terceiro setor. Como se a desoneração dessas entidades fosse um “privilégio”, como se elas já não suportassem o fardo de se sub-rogar no lugar do Estado em áreas que ele não cuida e nem quer cuidar. Até o momento, esses projetos nada preveem sobre desonerações ou incentivo de doações por créditos fiscais, dedução ou abatimento de impostos ou contribuições. Nesse ritmo, seria mantido o quadro atual de se tributar as doações de bens, inclusive pelos impostos sobre o consumo. Além disso, arrisca-se aumentar sua carga tributária com um tributo novo - a CBS - com a alíquota exorbitante de 12% sobre as receitas das entidades da sociedade civil sem fins lucrativos. Essa postura é perturbadora e contrasta com a do setor privado que já doou bilhões em 2020 para combater a pandemia da covid-19, mesmo diante das incertezas sobre dedutibilidade da despesa correspondente. A boa notícia é que os projetos de reforma tributária ainda engatinham. Nenhum deles foi aprovado até o momento. Portanto, podem sofrer todo tipo de ajustes e emendas que devem surgir do debate e da crítica de cada setor da sociedade que conhece, individualmente, suas dificuldades. Seja em um ou outro projeto, alterações devem ser feitas para excepcionar as entidades sem fins lucrativos e suas atividades meio, assim como para garantir incentivos aos doadores e consumidores de seus serviços. Não podemos perder essa oportunidade. Caso contrário, com seus textos atuais, a reforma tributária implicará em aumento do custo da filantropia no Brasil, quando deveríamos esperar o contrário. Seja qual for o novo modelo tributário aprovado para nosso país, é fundamental que ele reflita o mantra de que filantropia não se tributa. *Este artigo foi escrito por Francisco Müssnich (Chico) e por Hermano Notaroberto Barbosa e Franciny de Barros. A publicação foi veiculada pelo portal Valor Econômico em 22/09/2020. Fonte: BMALAW
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